#14 | Sua impostora está te protegendo de quê?
E essa pergunta não saiu da boca da minha analista, hein?
Eu não sei exatamente quando começou a se falar tanto sobre síndrome da impostora. Segundo o Google Trends, o termo ficou mais quente de 2019 para cá, com um grande pico em 2022. Quando penso nesse termo, me vem logo o patriarcado, mas eu não quero falar dele aqui. Sim, o mundo faz com que nós, mulheres, nos cobremos muito mais porque nos cobra com ferro e fogo de forma injusta e misógina. Acho que você já deve saber toda essa parte estrutural da coisa e eu não tenho o estofo e o estudo necessário para fazer disso a newsletter dessa semana, por isso trouxe uma visão digamos, mais personalíssima da coisa.
Pela primeira vez na minha vida, ou desde que a minha carteira de trabalho ganhou a primeira assinatura, em 2009, eu fui demitida. Era um emprego que eu amei, mas já não amava há um tanto de tempo, foi numa situação muito peculiar e meio que coletiva, não foi por performance e apesar de ter sido pessoal em algum nível, como sempre é, também não foi tão pessoal assim. Tudo isso para dizer que o acontecimento não me atingiu como eu achei que uma demissão o faria. Claro, tive meus momentos ruins, mas logo me recuperei usando as ferramentas de sempre. Caso você esteja curioso: analista, tarô, astróloga e promessa da minha tia lucinha, a mais beata das beatas. Acreditei fielmente que era pra ser daquele jeito e que tinha outra coisa boa me esperando lá na frente. De fato, tinha. E eu nem estou falando do emprego novo onde eu estou há poucas semanas, mas esse período me trouxe de volta algumas coisas importantes, além de me apresentar várias novas. Graças a ele, eu pude experimentar a dádiva que é ter tempo. Fazia anos que eu não sabia o que era ter tempo para as coisas ordinárias: levar minha filha na escola e passar um tempo lá brincando e observando as crianças; fazer supermercado em um dia útil; deslocamentos pela cidade sem precisar ficar olhando o GPS e trocando de faixa a todo momento; almoçar com uma amiga e depois tomar um café em uma tarde com absolutamente nenhum compromisso. Uma agenda livre que sim, gerou suas angústias neoliberais, mas eu logo me recuperava com consciência absoluta daquele privilégio. Mas essa também não é uma newsletter sobre os três meses que minha vida foi muito diferente da minha vida de sempre, isso fica para outro dia.
Nesse período, eu fiz muitas entrevistas. Muitas mesmo. E por mais que eu estivesse em uma posição confortável esperando uma vaga realmente legal, é uma fase que você fica muito submetida à aprovação alheia. Não está sob o seu controle se você vai passar naquele processo seletivo ou não, se o RH vai gostar de você ou não, se aquele seu colega vai fazer uma boa indicação sua ou não, enfim. Por mais ferramentas que você tenha, inteligência emocional e todo esse pack que anda famoso, é inevitável lidar com as consequências de se sentir sob constante estado de aprovação. Uma delas é passar a ter mais encontros com a sua própria impostora. Normalmente, essa querida aparece com a grande função de lhe desestabilizar em momentos de maior vulnerabilidade. Cada impostora é de um jeito. A minha é uma moça discreta. Fala baixo, usa coque, está sempre de tênis e roupas claras. Não gosta de comidas apimentadas, não bebe e é absolutamente contra o bom-humor. Mas nossa, mesmo sendo esse picolé de chuchu, ela sabe como plantar os pensamentos que mais me drenam. Ela é boa, não vou mentir. Quando a moça aparece, eu logo saco minhas ferramentas do bolso e, geralmente, só uma delas resolve: a Claudia, minha analista. É só falar, falar, falar, olhando para o teto daquela sala cheirosa na Av. Angélica e mesmo que ela fique calada (porque né, lacaniana misteriosa) eu logo endireito a coluna e dou um chega pra lá nela. Na impostora, não na Claudia, nunca na Claudia.
É a coisa mais normal do mundo o assunto “síndrome da impostora” aparecer quando mulheres estão conversando. Mesmo as que têm mais consciência da impostora interior, são afetadas por ela. Mas outro dia, jantando com amigas, tive um estalo que ainda não tinha tido. Uma amiga contava sobre não estar conseguindo um freela que ela vinha esperando. Algo para o qual ela acreditava tanto que era capaz de fazer que estava ativamente contando que a proposta viria. E uma vez que estava demorando, ela começou a discorrer sobre como o contratante não deveria acreditar que ela era capaz, que ela nunca tinha feito aquilo e que estava começando a se sentir mal por ter acreditado que era capaz. E aí falou:
- Eu sei que parece síndrome da impostora o que eu estou falando, mas eu realmente não acho que sou capaz.
Olhando para ela ali, naquela mesa de jantar, uma das profissionais mais incríveis que eu conheço, dizendo que não era capaz de pegar um trabalho que eu, ela e todo mundo sabíamos que sim, ela era capaz de fazer, eu falei:
- Se você não achasse que era capaz, você não estava frustrada pela proposta não ter chegado. Nesse caso, você está usando a impostora para se proteger de uma possível frustração. Porque sim, é frustrante não receber a proposta que você estava esperando. Mas a única coisa para a qual você não está sendo capaz é de lidar com essa frustração.
Bum.
A partir dali, eu comecei a pensar nessa outra função que a nossa impostora tem, aliás, essa outra função que nós damos pra ela, quase como se fosse um travesseiro para amortizar uma queda. Por que é melhor se sentir incapaz do que lidar com a frustração de não ser escolhida? Ou de não conseguir? Ou de pedir ajuda? Deve ter a ver com o patriarcado, claro. Mas também com muitas outras coisas que são só nossas. Desde esse dia, comecei a pensar em todas as vezes que ouvi minha impostora e a usei para amortecer uma queda que eu nem sei se iria de fato, existir. Sinto urgência em registrar os momentos em que fiz isso, documentar as quedas que me deixaram tão, mas tão paralisada, que eu achei mais fácil acreditar que não conseguia. Vou descrever uma a uma e calcular, usando todas as ferramentas físicas e matemáticas que eu não tenho, qual é a altura de cada uma, com que velocidade eu cairia, quais seriam os riscos concretos e os imateriais e, principalmente, como eu consigo abraçar e sobreviver a todas as quedas, reais ou imaginárias.
Nutrir cada vez mais essa fé absoluta na gente.
Esse é o caminho.
Escrevendo essa edição, assim meio de supetão (meu plano era falar sobre exercício físico, veja só), lembrei automaticamente de uma mulher que muito falou de síndrome da impostora e essa sim, com muito estofo intelectual para discorrer sobre o assunto. A Dani Arrais é minha conterrânea de Recife, jornalista, querida e inteligentíssima, que acaba de lançar seu primeiro livro, ainda em pré-venda.
Quando fui buscar a capa para colocar aqui, o que tem nele? Um salto. Um salto de fé na gente mesma que só uma boa dose de coragem traz.
"Para todas as mulheres que não têm coragem", a jornalista e uma das criadoras da @contente.vc, Daniela Arrais, traz um relato sincero sobre o fenômeno da impostora e faz um chamado à coragem para que mais mulheres se sintam protagonistas da própria história.
📖Daniela conta as próprias experiências ao lidar com o fenômeno da impostora, enquanto entrevista mulheres que são referência em diversas áreas sobre o tema, de Dandara Pagu a Monique Evelle, passando por Rafa Brites, Vivi Duarte, Mari Palma, Carol Burgo e outras.”
Eu já comprei o meu.
E se você quiser fazer o mesmo, aqui está o link.