Quando eu era criança, eu dizia que queria ser médica cardiologista.
Por que? Me perguntavam e eu respondia: “para cuidar do coração da minha avó”. Por ter um punhado de problemas de coração, Dona Nininha tinha a maior amizade com seu cardiologista. Depois de Mira, sua amiga da rua, Roberto Carlos e meu tio Paulo, o caçula, ele era provavelmente a persona mais querida da lista de afetos da minha avó. Ia visitá-lo com regularidade e nos Natais, sempre levava uma camisa social com gola bem engomada de presente. Mas essa relação íntima não adiantou de muita coisa, já que vovó morreu, justamente do coração, em uma noite qualquer de Julho de 1998. Desde que isso aconteceu, quando me perguntavam o que eu queria ser quando crescer, passei a responder: jornalista.
Não sei se para emular alguma personagem de novela da Globo, para escapar da ideia de atrelar a minha profissão a minha avó ou só porque eu já gostava muito de ler, mas fato é que foi mais ou menos nessa época que eu comecei a escrever. Primeiro, trabalhos de escola, depois diários e agendas, cadernos, histórias em quadrinho, livros infantis nunca publicados e por aí vai. Escrevia cartas para os amigos, depoimentos de orkut, bilhetinhos nos fichários, dedicatórias de livros, continuação da saga harry potter e não deixava de atualizar os sem fins de blog que tive durante toda a adolescência e pós-adolescência. Não virei jornalista, mas redatora publicitária. No dia da inscrição da faculdade, troquei de curso sem comunicar ninguém. Tinha ido em um passeio de escola em uma universidade e adorei o folheto de publicidade. Se desse tudo errado, dava para aproveitar umas disciplinas e mudar para o jornalismo, ideia que morreu logo no primeiro ano porque eu gostei de escrever textos menores, com intuito de persuadir e chamar atenção (mesmo que fosse para sei lá, para uma concessionária rs). Mas continuei escrevendo minhas coisas na faculdade, claro. Tinha um blog, fiz amigos que também escreviam suas mazelas emocionais em forma de textos bonitos, inscrevi contos em concursos (e até ganhei!). Escrever sempre foi uma grande ferramenta de investigação emocional, me ajuda a desvendar lembranças e entender o que se passa nas minhas entrelinhas e superfície. Em algum momento da minha vida, li essa frase que está no título da newsletter de hoje “As palavras nunca mudam de ideia” e pra mim definiu muito bem a relação que eu sempre tive com a escrita. Escrevo como quem deixa pistas de mim e das coisas que me movem. Pedaços congelados, evidências materiais do que aconteceu ou justamente, daquilo que deixou de acontecer. De vez em quando, coloco um traje de escafandrista, preparo o oxigênio e lá vou eu me perder nos meus mares mais profundos
Desde que a Madalena nasceu, escrevo muito mais. Quero que ela tenha nesses textos registros enviesados sobre o seu crescer e sobretudo, quero deixar muitas pistas para as minhas próprias investigações futuras. A maternidade é tanta coisa que não dá pra entender no presente, as emoções precisam de um bom tempo para decantar. Eu por exemplo, só fui entender o que aconteceu no meu puerpério mais de um ano depois. Provavelmente só vou entender o que é ser mãe de uma menina de dois anos e meio quando ela fizer uns quatro. Já fiz as pazes com esse fuso-horário e até gosto dele. Me tira a ansiedade de ter que codificar tanto de forma instantânea. Me sinto como aqueles surfistas perante as ondas gigantes de Nazaré. Bom que construí meu próprio tempo para ultrapassá-las com vida.
Com a chegada da minha filha também veio essa newsletter (inconsistente sim, mas bem intencionada também) e outros rompantes de inspiração que viram textos engavetados em pastas com títulos despretensiosos no computador. Outro dia, terminei o livro “O que é meu” do José Henrique Bertoluci (que conheci através de um episódio da Rádio Novelo e me comoveu muitíssimo) e mais uma vez, me vi presa em uma boa definição do que escrever significa para mim:
“Palavras são estradas. É com elas que conectamos os pontos entre o presente e um passado que não podemos mais acessar. Palavras são cicatrizes, restos de nossas experiências de cortar e costurar o mundo, de juntar seus pedaços, de atar o que teima em se espalhar.”
Claro que há outras estradas: fotos, álbuns, vídeos, feed de redes sociais (ou só sou eu que uso o Instagram como um grande álbum de momentos?), mas não se comparam com o valor que tem escrever um diário, por exemplo. De deixar registrado para si e para o outro o que se passava ali entre um dia e outro da sua vida. É um jeito fundamental de existir no mundo pra mim.
Se você também tem esse desejo, exercitar o ofício em cursos de escrita criativa pode ser uma ótima ideia. Há uns meses, fiz o da Marcela Franco focado em maternidade e amei. Estou esperando ansiosa a nova turma de “As engrenagens do romance”, curso da Carol Bensimon de quem sou muito fã (ela tem uma newsletter imperdível aqui no substack, chama Nevoeiro). Mas há ótimas opções na Escrevedeira, centro cultural literário. Independente do que vai te fazer escrever mais, fica aqui o meu apelo para jogar as coisas no papel, no word, google docs ou coisa parecida. É que nem fazer análise: muitas vezes dói, mas também cura.
Aproveitando que o assunto é escrever e eu falei de amigos de blog nos longínquos 2006, deixo aqui a indicação do livro de estreia de Carlinha, amiga dessa época. Copa de 94 é uma joia de ponta aguda, belíssimo e duríssimo. Um exemplo do que eu tava falando sobre doer e curar. Li já faz uns dias e o eco continua alto dentro de mim.
Na próxima terça-feira, 09 de Julho, vai ter lançamento aqui em São Paulo. Nesse post você encontra todas as informações. Vamos?
Adorei o texto! s2 Me inspirou a escrever mais sobre o que sinto, por mim e para mim. Vou já criar uma pastinha no Notion da vida para começar meu diário :)